sábado, 6 de junho de 2009

Antropofagia.

Nem se toda a minha capacidade
De poetizar, florescesse sobre a extremidade corpórea
Que me acompanha a carcaça ideológica
Ainda sim, seria incapaz de traduzir em versos
Aquilo que os olhos, não sabem ver
Meus ouvidos surdos, se recusam
Enquanto o tato adormecido, só sente os calos
Talvez o olfato, não se lembre de qualquer odor
E o peito não sentisse nada que as pulsões orgânicas
Que lhe são destinadas
Ainda sim, faço tenaz esforço para sentir saudade
Daquilo que não me tocou os dias
Nostalgia indelével
Que me gasta o vocábulo
E lacrimeja os olhos fervorosos
Sou feito de nada
De tudo sou preenchido
E se lábios cegos dizem palavras estéreis
Meu discurso é mais ecoante
Fonemas que se fincam ao branco do papel
E abominam teu ascetismo cultural
Ascético, não me faço
Há não ser aos versos
Estes me dominam
Fazendo-me irrepreensível
Eis a arte do falar nada
Falo tudo, falo ao mundo
Sem se quer ser vocal
Os manifestos que me perturbam
Compartilho minha eclosão, minha epifania e minhas horas
As estrofes que sem distinção
Se mostram no papel pálido, áspero e cético
Tituladas poéticas, nem sempre
Mas são elas
Que me aliviam o peso dos fardos
Calejam as costas, dos açoites da vida
E fazem dos olhos pupilos,
Confortáveis, aos holocaustos que o desespero
Derrama ao âmago antropofágico
Que assim como o meu
Deseja se saciar da carne humana
Pois devoramos a vida alheia
Para suprir nossas próprias lacunas.
Mas esta é meu tormento
E não creio que tua carne
Vá se quer saciá-la.

Guilherme Radonni

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