quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Presa em um grito anterior.

Gritei,
fiquei sem voz.
Disseram-me que soou mal,
aos olhos e bocas de quem não entende muito bem de angústia.
Se a angústia fosse algo público...

Fui à página anterior,
e vi que o grito havia parado.
Como uma estátua rouca e sem olhos.
Faltou ar no mundo naquela escrita,
por isso pintaram meu grito,
expuseram aos nobres,
e me trancaram na torre de papel.

Se eu me importo ?
Só porque hoje estou presa em calabouços,
mágicos e pouco limpos...
Não quer dizer que ficarei aqui para sempre,
quer ?

Ah ! Se a angústia fosse algo público...

Um grito, gritado, no ar.
Por alguém sem legendas em um livro,
nem deu tempo de marcarem na história.
Omitiram informações,
uns enlouqueceram,
destruíram cidades,
entraram em guerra...

- Menina muda, presa em um grito anterior.
Nunca mais falei nada...

Meu Deus ! Se a angústia fosse algo público...
Viva a liberdade omitida !

Tábatta Iori.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Mar seco.

Enquanto esperava por um atropelamento

Na última rua que cruzava comigo mesmo

Me assistia sentado na calçada cinza e esburacada

A multidão, de olhos fechados

Não assistiam nem amim, nem a nada

Enquanto a ordem contaminava o resto

Com um rítmo pesado e invisível

Todos marchavam com os pés cansados

Para lugar nenhum

No mesmo compasso de um mar de ondas

Que quebra na areia e se desfaz

Enquanto meu corpo resistia em não se afogar

Eu era arrastado por aquela multidão de ossos e cheiros

Desaparecendo em um oceano oco, feito de concreto e gente.

Talvez fosse esse o atropelamento que esperava

E por ser eu o acidentado

Não sabia ao certo o que acontecia

Devo ter batido com a cabeça depois da queda

Ou então engoli muita água

Desse mar de gente intacta

Enquanto eu me afogava.

Guilherme Radonni.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

O Menino e o Sol.

Naquela tarde, o menino sem cor, deitou no verde do parque

E repousou sua cabeça em um canto qualquer,

Procurou uma fresta de luz no meio das folhas

E se perdeu, no primeiro raio de sol que tocou o seu rosto

Sentiu o calor penetrando tua pele morna

Fazendo de si um pedaço de corpo iluminado

E pela primeira vez em anos, sentiu amor

E ali ficou durante toda a tarde

Como uma planta estática, em processo de fotossíntese

Contemplando o brilho da luz

Que lhe transbordou os graus.

E lhe afagou o peito.

Naquela tarde no parque inteiro não existiu mais nada

Que não fosse o menino e o sol

O reflexo laranja filtrava a falta de cor nos olhos

E o calor aquecia suas mãos que eram sempre frias

Era aquilo que lhe faltava

Uma fresta de luz, uma mancha de cor

Um intervalo em âmbar.

E anoiteceu, o menino sem cor se sentiu perdido e embriagado

Não conseguia se desprender da sensação que havia sentido

Ficou preso numa espécie de vácuo nostálgico

E durante toda noite vagou pelo parque

Na esperança de encontrar qualquer tom infra-vermelho

Não conseguiu,

Caiu, por falta de luz ou de força

E esperou o primeiro sinal laranja manchar o céu

Já era dia e o menino sem cor

Amanhecia por dentro

Era policromático e sorria

E a cada minuto se sentia mais e mais embriagado

Daquela sensação inexplicável que só ele havia sentido.

Era verão e os relógios já se aproximavam do meio dia

Os termómetros marcavam o dia mais quente do ano

E o menino, o dia mais feliz de sua vida

Pois sentia uma febre indecifrável que lhe causava conforto

Misturado com o calor alucinógeno que lhe fazia transpirar

Tudo aquilo que não era amor

Seu corpo já não era sem cor

Tinha uma superfície alaranjada e vermelha

Que cobria toda a pele e não lhe deixava sair dali

Simplesmente porque não queria,

Havia decidido que nunca mais deixaria o calor

E num instante de euforia ao contrario

O menino se lançou ao sol, se desprendeu de sua falta de cor

E mergulhou no laranja ardente do meio dia.

Morreu de insolação, exposição ao sol

O corpo cheio de feridas e queimaduras

E de fato já não era mais sem cor

Havia encontrado tua policromia

Havia encontrado

O amor.

Guilherme Radonni.

Narciso se adimirou em seu reflexo estampado sobre a agua...


E ali mesmo mergulhou e se afogou...