quinta-feira, 22 de abril de 2010

A fuga...

A única coisa que me tinha, não me tem mais
Isso porque já não a tenho
Não tenho tempo
Tenho de correr, tenho de ir e repetir a dose
Tenho de escrever o verso em menos de cinco minutos
Tenho de mastigar e ainda tenho de lavar os cabelos
E não posso perder o por-do-sol nem a tarde caindo
A louça esta boiando suja na pia molhada
E eu não tempo de socorrer os pratos
O cigarro esta pedindo para ser apagado
E eu não tenho tempo para um último trago
Mesmo assim a fumaça transborda
Despara o alarme e chama os bombeiros
Me acusaram de piromaníaco incendiário
Só porque não tive tempo de apagar o retrato
Um quadro, moldura velha, já não tinha arte
Talvez eu a encontre de novo. Em marte
Ela já não tinha mais tempo
Esgotou as catracas e os trilhos do metro
Depois disso interditou os próprios caminhos
Mas eu não posso, eu já não tenho mais tempo
Tenho de correr...
Entre eu e você, o ponteiro do relógio
A ponta da faca, e o ponto perdido
No meio da sua pele branca,
Uma ponta caindo
A ponta do meu dedo.
Não tenho tempo de falar você
Não nesse poema, não nessa folha
Se não me atraso, se não me afogo,
Se não perco o último por do sol
Tenho que continuar correndo
Se não o tempo me tem de novo
E o fardo das horas pesa mais que a fuga
Tenho de correr...


Guilherme Radonni.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

O ultimo grito da menina de joelhos fracos

Talvez seus joelhos não aguentassem mais

Amortecer o impacto das horas

Ou talvez o espelho já estava embaçado de mais

Pra se ver a maquiagem borrada nos olhos

Já não importa mais

Naquela manha, a menina que vazava pelos olhos

E que tinha os joelhos fracos, tentou dar o seu ultimo grito

E no seu berro, não havia mais nada que o silêncio

A quem diga que enlouquecemos depois do manicômio

Talvez sim, mas pelo menos lá os comprimidos eram controlados

Ela nunca gostou de controle

Tentou engolir o mundo, viu que não podia

Tentou vomitar a si mesma

E viu que não tinha garganta para isso

Talvez por isso tomou uma caixa de comprimidos

Morte genérica não se vende na farmácia minha cara

Entendo teu desespero por não saber pra onde vai

A fumaça que tragamos

Mas não são nas bulas que estão as respostas.

Lembro, enquanto você me limpava com a tua dor

Proclamando sobre os tornozelos que sangravam

Eu achava que, tudo em mim virava pó,

Que tudo em mim estava fora do eixo

Mas agora entendo,

Não se tratava de me limpar

Mas sim de juntar o teu pó e de achar o teu próprio eixo

Vejo que não encontrou.

Pelo menos não no banheiro que te acharam derrubada

Entre a pia e o ralo

A sua historia é mais bonita, do que tentando saltar da janela

O sobrado só tinha dois andares

Não daria nem para fraturar o fêmur

E já conheço a tua dor nos joelhos.

Despertou no branco, junto ao desespero da santa

O soro, a seringa e o cheiro de hospital

Na próxima tentativa, não seja tão egoísta

Deixe alguns comprimidos para minha dor de cabeça

Enquanto eu te asfixio, você me enforca

Ate que arte nos salve

Ou até que nos ache derrubados no chão do banheiro

Talvez nosso lado branco se lembre de trancar a porta

Nosso lado branco sempre foi contra os pulsos cortados

Eu também era até sentir a hora pesar nos ombros

Acho que morremos no dia em que nos conhecemos

Depois dali o resto era só uma espera

Agora acorde, não tente cortar a fila

Espere sua vez, e que esta não seja antes de mim

Já não acredito em cura pra doenças psicológicas.

Guilherme Radonni.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Resposta sobre o a(mo)r.

[www.soltosdevaneios.blogspot.com]

Te falta por segundos pensados.
A tranquilidade de ter um ar mais colorido,
de querer vê-lo a todo momento,
de pulsar como sólido no peito.
O ar aqui é transitável,
é como uma bomba em um trem.
Assusta. É novo!
Ou até chega a não ser real.
Me conte mais sobre o a(mo)r,
quero saber garoto, como tudo começou...
que eu também nem reparei
que eu fiquei até um pouco asmática.

É interessante participar de um jogo de dois.
Não existe oposto aqui,
é o mesmo destino no fim.
E o fim...
Não tem sequer um destino.

O ar aqui amor,
falta
ao mesmo tempo que tem para todo mundo!

Pára, todo.

Tábatta Iori

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Rosa, o silêncio e a visita da Sra. Morte.

Ela vinha todas as quartas para os ofícios da casa

Mas aquela semana por motivos maiores

Rosa, a nossa empregada, só veio de aparecer na quinta-feira

A morte lhe havia visitado, e levado um parente qualquer

Como em toda visita, sempre há um porque,

No caso da Sra. Morte

Este porque, sempre nos leva algo

E de Rosa, levou a luz dos olhos

Digo isto porque, na quinta feira

Eu podia ver nos olhos daquela mulher

A ausência ou um vácuo maior.

Para não falar no tom que me acordou com seu bom dia

Não que eu estivesse dormindo,

Mas é que depois daquele bom dia vociferado pelos lábios de Rosa

É como se meu interior tivesse sido estalado,

Como dedos trincados de cansaço

Isso porque, ela insistiu em me dar um bom dia

Mesmo estando estampado no cheiro dela

Que aquele dia poderia ser tudo, menos bom.

Então começou a varrer a casa

Rosa e o silêncio

Podia sentir a força que ela fazia para varrer o chão

É como se ela estivesse limpando a si mesma

Enquanto eu ouvia a vassoura gritando pelo assoalho da casa.

Na cozinha, os pratos pediam para ser lavados

E antes do almoço Rosa sempre atendia tal prece

Mas hoje, ela esfregou os pratos como quem esfregava a um corpo

E ao invés de água, parecia enxaguar a louça com lágrimas.

Talvez por isso o almoço estivesse mais salgado naquele dia.

A casa parecia estar de luto, já que não se ouvia

Rosa cantarolando enquanto executava os afazeres

Ao invés disso se ouvia um arrastar de pés

Marchando pelas escadas como quem perdera a fé.

Talvez se nossa empregada tivesse uma religião qualquer

Mas naquele dia ela só acreditava na poeira das paredes.

No final do dia, a casa estava limpa,

A cozinha branca e as janelas brilhavam

E ao contrario de toda essa organização

Estava Rosa, cansada, com roupas sujas e sem luz qualquer nos olhos

E ainda sim, ela insistiu em se despedir com um “boa noite”

Mesmo estampado no cheiro dela

Que aquela noite poderia ser tudo menos boa.

Guilherme Radonni