terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

Manifesto de um criminoso, sob o cárcere de si mesmo

Mais uma vez,

Cá estou eu falando da velha angústia

Que me transborda os eixos

Que culpa tenho, se a única coisa que um poeta sabe fazer

É traduzir em versos, aquilo que o peito sente

E se é angústia que me toma

Serás de angústia o gosto do papel e das palavras

Amargas e acidas, e ainda sim

Parte de um discurso de socorro.

Coisa imensa essa das palavras

Através destas podemos capturar

Sentimentos e até não-sentimentos

E armazena-los nos papeis em branco

Talvez este foi meu erro

Encher folhas vazias, com o meu próprio vazio

E como se isto já não fosse o bastante

Eu prendi a minha angustia em forma de verso

Uma prisão literária,

Que transforma em cárcere minha dor e minha guerra

E me obriga visitá-la todas as manhãs

E eu como bom pai de meu próprio lamento

Ainda faço questão de lhe levar

Pão e água

O que só faz tal dor se alimentar de minha visita

De minha presença, de minha insistência

Em servir de plateia

Pro meu próprio desespero.

Sou o público do meu vazio, a visita do que me prende

Antes fosse numa cela

Mas estou preso nos meus versos

Versos estes já condenados

E com pena morte.

Dei-me a sentença dos últimos dias

Talvez desta maneira eu seja executado

E por fim enterrado

Mas ainda assim

Parte de mim, ou melhor parte de meu vazio,

Permaneceria intacto

Pois não se enterra o verso

E nem se faz velório aos papeis

E são estes restos de mim

Que permaneceram a vociferar

O eco do meu grito

Pois enquanto eu escrever

Continuarei morrendo,

E ainda sim continuarei vivo

E este estado entre estar vivo e não estar

É que me mata a cada dia e alimenta meu vazio

Ao júri confesso,

O meu único crime, o meu verso.

Guilherme Radonni.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

O estranho.

Alguém ai?Qualquer um?
Leitor? Analfabeto que seja,
Alguém? Ninguém?
Se tiver, por favor, tira esse corpo estranho de dentro de mim
Já reclamei para família
Dizem que isso é frescura de quem não tem o que fazer
Mas eu juro que não é
Escuto um grito que não o meu, toda vez que vou escovar os dentes
E tenho calos nas mãos sendo que nunca trabalhei
Juro que tem um corpo estranho dentro de mim
Ontem fui ao médico e o Doutor disse
“No raio-x, tem duas estruturas ósseas, isso não é muito comum
É como se tivesse alguém dentro de você,
Mas no geral acho que isso é frescura de quem não tem o que fazer”.
De qualquer jeito minha pele já não é mais minha
A divido com este desconhecido,
Este outro que não eu
Este lado triste, que não sei o que faz dentro de mim.
E que quando durmo permanece acordado
E se este outro sou eu, meu sono se traduz
Em forma de insônia,
Já não durmo, não como, nem escovo os dentes
Pra evitar ouvir aquele grito no espelho
Tento conhecer este estranho dentro do meu particular
E a cada passo que dou pra dentro dele
Dou dois pra fora de mim mesmo
É como se dentro dele estivesse o externo,
Diferente do autismo que eu tinha planejado
O problema, é que este estranho esta tentando me por ao avesso
Mudar a ordem da minha genealogia
Cegar os meus olhos e amputar as minhas mãos,
Pra expor os membros dele
E aquela fome que eu tinha, já não tenho mais
Queria saber em que parte da vida
Eu mastiguei este estranho pra dentro de mim
Talvez se eu nunca tivesse tido esta fome de comer
A vida dos outros, não teria um outro dentro de mim.
Hoje de manha antes de pegar o papel e o lápis
E me sentar aqui, para fazer esta carta de socorro
Olhei bem pra dentro do espelho
E pela primeira vez, eu o enxerguei
Sim, olhei nos olhos do estranho que estava hospedado em mim
Confesso que tentei vomita-lo, não deu certo
Então o olhei de novo desta vez mais pra dentro dele do que do espelho
E perguntei a ele o que fazia dentro da minha estrutura óssea,
Perguntei que doença era essa que comia a minha identidade
O estranho respondeu,
“Essa doença é frescura de que não tem o que fazer”
Depois disso arranquei meus olhos, cortei minha língua
Amputei minhas mãos e calei minha voz.

Guilherme Radonni

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Para nós, de que serve o Carnaval? Talvez uma rememória de Woodstock (2)


Para nós, de que serve o Carnaval? Talvez uma rememória de Woodstock. (1)

Realmente não sei que palavras escolher
Quando nas palavras não cabem tal,
De algo sei, numa dose seguida de outra
Cabe á catatonia de quatro,
Três interpretes e um contra-regra
A questão é, quando se troca o cenário?
Não se troca
Não há cenário que caiba nossas reticências
Estamos nelas, restamos nelas
Montados nas reticências, marchando sobre o rastro de leite
Derramado no céu, nosso destino?
O indestino sobre o telhado
Que começa num tapete e acaba sabe-se lá onde
Enquanto à ela, minha amada
Digo a morte, esta também não cabe a nós
Porque ela não entende o outro lado,
O lado catatônico da coisa
O lado que só o baralho improvisado entende
Ou melhor, hiperentende
Já que as cartas sorteiam, as doses que nos merecem
Ai vem uma trilha sonora deturpada
Uma lágrima confusa
E o cheiro de gente vazando na escada
Sem dizer o banho de deuses gregos e egípcios
Acompanhado de madrugada
E tomando Janis, talvez ela se sexuando comigo
Quero ela do fim ao início
A Janis e os outros
O que não entendes
São as pedrinhas no meu caminho
Aquela que lutará quando eu for.
Aquela que lutará contra você Sra. Morte.
Pra me deter aqui. Porque eu sou de vocês
E quem vencer, terá uma metade
A outra metade, será sempre do pedido de sexo
No banheiro de família
Mesmo que sobre o meu discurso
Aqui diz uma sã ou um lúcido que pronuncia a ti
Sra. Morte
No mundo em que todos sonharam,
Sobre latas, cabaças e nudez
Reina a essência e a fumaça
Que aconteceu em woodstock.

Guilherme Radonni ou Isis Rodrigues.

(Autor á gosto o que importa é o carnaval)

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Fobia de cheiro alheio ou de banheiro.

Não sei de onde veio tal mania
Mas nunca fechava a porta do banheiro
Talvez por falta de princípios
Ou então simplesmente por alguma fobia
Ou ainda pelo cheiro do ralo, ou o cheiro de gente que ficava no banheiro
O que eu sabia era que pudor e vergonha
Me faltavam, mais ainda que o medo de alguém entrar no banheiro
Sei, que o azulejo, junto ao rejunte sujo,
Me sufocava, me espremia naquele cômodo um tanto apertado
E ainda quando olhava para o espelho
Não enxergava nada mais
Que o meu medo de banheiro,
Traumático, era quando havia visitas em casa
E minha mãe me mandava ao banho
Me trancava lá dentro do cubículo claustrofóbico
E só me deixava sair quando as orelhas estivessem limpas
Não sei o que era maior, o meu desespero
Ou a encabulação das visitas
Ao ouvirem meus gritos e berros
Vindo do chuveiro, Aposto que pensavam,
“Garotinho sujo, que não gosta de tomar banho”.
Antes fosse da água meu medo,
Mas era da porta fechada mesmo. Era de cheiro que não o meu.
Enfim até hoje evito os banheiros, o de casa não tem porta
Para evitar maiores conflitos e não deixar os odores trancados
Enquanto na rua, não suporto pensar na idéia de usar um banheiro público
Como se não fosse o suficiente ter de fechar a maldita porta
Ainda teria a sujeira e o cheiro alheio
E esse é ainda pior que qualquer fobia de infância
Sim o cheiro de gente, ou melhor, o cheiro de gente no banheiro
Pois para que aquele odor ali permanecer
Foi preciso fechar a porta,
Travar o trinco, e permanecer ali,
Estático no meio do cheiro alheio
Me perturba a idéia de pensar quantas pessoas ali se trancaram
E pior que isso trancaram seu cheiro.
E este último, digo o cheiro
Não pode simplesmente abrir a porta e sair.

Guilherme Radonni

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Título à gosto do leitor.

O punho e o trago
A sala, vazia de mim,
E o vinil tocando
Enquanto eu me entorpecia
Injetava a agulha no canal das veias
Mesmo sendo a agulha da vitróla
Nela, qualquer francês de boemia
O espelho refletia fumaça
E os olhos refletiam, meu carbonarismo
O concreto esparramava meu corpo sobre o chão abstrato
E à Buarque, só restava cantar
Depois a água, as cinzas e o resto da tarde
Deitei entre o sofá e o criado-mudo
E abri o guarda-chuva
No final, é tudo como um guarda-chuva
Aquela estrutura arquetetônica
Dividida entre interno e externo
O orgasmo da tarde avisa os primeiros vestígios do sol
Vazando entre os furos e frestas do guarda-chuva
Mesmo sem a chuva.
Escrevia cartas para ninguém
E as endereçava com o destino
"Para o Bispo ou para o Diabo"
E ainda nem era inverno
Era Fevereiro e o Carnaval vazava pelas ruas
Mas aqui entre o sofá e o criado-mudo
Somente a valsa da minha entorpecencia
Essência vazia, cheia de nicotina e gozo
A nicotina pra esquecer, o gozo para lembrar
Não que eu precisa-se me lembrar
Do prazer de ser herdeiros de Adão
E muito menos lembrar do vício da minha juventude
Mas ainda era meio dia
E eu só tinha dezoito anos.

Guilherme Radonni.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Grandes, escalafobeticos e com dentes afiados...


Onde vivem os monstros?

Não digo aqueles das historias infantis
Digo os nossos monstros
Sim talvez grandes, escalafobéticos
E com dentes afiados prontos para morder
Mas ainda sim, nossos.
Talvez não tenham restado muitos
Normalmente o tempo os devora
Ou melhor a passagem do tempo
Em algum lugar entre a infância e adolescência
Nossos monstros são devorados por nós mesmos
Ou por alguma epifania da vida
Eles que nos serviam como proteção
Contra a passagem inadiável do amadurecimento
Acabaram por projetar o mesmo
Pois não se protege do inevitável e nem do tempo
E quando percebemos estamos partindo em um barquinho á vela
Daquela ilha imaginaria onde nos escondíamos pra evitar todo o resto
Ou seria somente nosso autismo sendo deixado para traz?
De qualquer modo, ou de qualquer jeito
Não poderíamos dormir sempre amontoados junto aos nossos monstros
Afinal, se eles são reflexos de nós mesmos
Como um auto-mecanismo da nossa infância,
Um dia haveriam de nos comer,
Afinal acima de tudo eram monstros
E é isso que os monstros fazem, devoram.
Então somos obrigados a mastigá-los
Antes que eles nos mastiguem.
Mas em mim, acho que algo anda meio grande e escalafobético
Ainda sinto a proteção contra a realidade
Como se aquele barquinho viesse me buscar de hora em hora
Mesmo que eu fosse um rei, meu reinado seria de areia
Pois naquela ilha só areia nos contentava
Fragmentos tão inúteis e ainda sim me encanta os olhos
Não a areia de fato, mas sim sua condição
De estar ali, simplesmente por estar,
Talvez pela ordem das coisas
Já que se não estivessem todas juntas, digo os grãos da areia
Seriam somente grãos, mas juntas, são a minha ilha e meu reinado
E é lá que vivem os meus monstros
Os grandes, escalafobéticos
E com dentes afiados, prontos para morder
Dentro desta ilha, dentro deste autismo
Que só cabe a mim,
E a mais ninguém.

Guilherme Radonni.

A porta, a maçaneta e o verde...


segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Estupro.

Primeiro a visita,
Limparam as solas impregnadas dos sapatos
No carpete de boas vindas
Nos invadiram sem convite
E fecundaram nossas fêmeas
Sujaram nossos mares de costumes que não os nossos
Tudo isso por que?
Masturbação ideológica
Sim, ejacularam na nossa cultura
E fecundaram nossa historia
Como se esta já não existisse
Tu homem, que acredita na descoberta do já descoberto
Não fez nada mais que cobrir os olhos
De quem já não enxergava
Contaminou nossa pureza
Sangue que era nativo agora é inativo
Para não citar as dores
Interdiálogo do monologo da língua
Tradução simultânea sem interprete
Assim nos foi concebido a lusofonia
E o extermínio do Tupi
Nos taparam a pele, e nos cobriram a carne
Enquanto nos despíamos de nós mesmos
Eles nos vestiam com tua política de água e sal
Agora? Dança da chuva já não funciona mais
Talvez a dança dos cabarés seja mais atingível
Aos bolsos dos que não tem calças
Digo isso, porque as calças representam um homem
Não digo homem no sentido condição de gênero
Mas sim de condição de valores
E se já não os tem,
Provavelmente também não tem calças
E depois nós que andamos pelados por ai
E nem se quer fomos nós que inventamos as calças.
Estupro cultural
Nos penetraram a força
Nos fizeram engolir a língua deles
Crer na fé que não a nossa
E nos fizeram ainda andar de sapatos.
Á um estuprador corta-se o pênis
E á um colonizador?
Corta-se o que?

Guilherme Radonni