E nos últimos anos vividos
Nenhuma tarde fora tão turva e desfamiliar
Embora fosse domingo e a casa estivesse cheia
Aquele céu me trazia desconforto e estranhamento.
Não havia se quer naquele cinza estancado
Um único vestígio de verão, primavera ou luz
As nuvens cobriam miseravelmente o céu
Como aqueles tapetes persas estendidos sobre a sala
Que não revelam se quer um pedaço do assoalho
Foi então que me dei conta
Era inverno!
E não havia nada que pudesse fazer pra mudar tal fato
Restava-me apenas sentar na frente da lareira
E aguardar até que a próxima estação chegasse
Franzia a testa, enquanto os dedos já enrugados
Se atritavam, afim de produzir qualquer calor
O frio consumia a sala, que se tornava imensa e vazia
Era como se um vácuo, tomasse conta do tempo
E só restasse o frio como testemunha dos dias
Nada supria tal evento,
Suplicava uma epifania pra cessar o gelo que subitamente
Tomava conta do ar, tornado-o rarefeito de mais
Para servir de oxigênio.
Respirava com dificuldade
Enquanto as unhas forjavam uma monocromia púrpura
Os pés petrificados estampavam agonia
Caminhava lentamente
Os músculos rangiam e buscavam o fim do corredor
E lá estava
O banheiro impecavelmente branco e limpo
Os azulejos brilhavam e a porcelana da pia
Refletia o brilho do cômodo indubitavelmente, cor de neve
Por um décimo de segundo quase me esqueci do frio
De ante daquele resplandecer
Eu servia de platéia aquela banheira
Que transbordava uma água quase que glacial
Assistia o ártico no final do meu corredor
Era tão límpido e convidativo
Que me esquecia que era inverno
Vagarosamente me despi,
E centímetro por centímetro do meu corpo
Emergi na existência daquela banheira
Estava submerso, minhas veias congelavam
E a cada segundo o resto ficava mais distante
Ouvia um eco embaixo da água, como se o vento geasse
E como soluto, me desfazia naquele túmulo de porcelana
O frio se tornava mísero e sem importância
Aos poucos não respirava e me esvaecia
Até que o ultimo som que ouvi
Foi o da porta do banheiro sendo aberta
Pelos pés de qualquer familiar
Suplicando ajuda e calor.
Guilherme Radonni.
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