Já não cabia mais ali
E por falta de espaço, fugi para o sótão
Na verdade era a laje da casa dos fundos
Mas preferia achar que era um sótão
Atrás da casa dos fundos
Havia um cemitério de bitucas de cigarro
E havia ainda uma estrada que ligava o nada á lugar nenhum
Sentava ali, e observava a vida dos vizinhos
Sempre fui meio voyeur
Mas ao invés do prazer assistia ao vazio
Da laje se via a cozinha da casa dos fundos
O barraco da casa ao lado, a varanda da rua de baixo
E ainda se via uma casa toda branca do outro lado da rua
Naquela casa, não havia nada, a não ser outro garoto sentado na laje,
Às vezes achava que era um espelho, pois o garoto era um tanto parecido
Com a minha solidão e tinha ainda os mesmos trejeitos que eu
Parecia que a vista era meio programada embora aquele
Fosse um condômino de casas aglomeradas uma em cima da outra
Como uma favela de classe media
E ainda sim tinha aquele teor arquitetônico
De que o morro fosse feito assim, para que os vizinho observassem
A vida dos outros, já que a própria vida
Nunca basta, nunca serve.
Sustentava meu vicio de singularidade
Sempre tive essa necessidade de me excluir da massa
Embora no final, eu me via como ela
Sendo assada ao forno, por falta de ter o que fazer
Afinal é para isso que serve a massa
Ser juntada numa forma
E assada pelo forno
E depois servida na mesa do café
Da laje não se via a Lua, era preciso olhar pra traz
Pra ver aquela coisa branca e toda circunflexa
Numa tentativa dessa manchei meu livro de poesias
Agora já não tinha mais de fingir que ia ler na laje
Até mesmo porque não passava do titulo
“O prédio, o tédio e o menino cego”
Sempre achei que o titulo cabia a mim
E a situação em cima da casa dos fundos
Até acontecer a denuncia da vizinha á minha mãe
“A senhora sabia que teu filho tem fumado na laje?”
Depois daquele dia, fui obrigado a aposentar o cemitério de bitucas
E agora assisto o deserto de gente da janela do meu quarto
Sem singularidade ou voyeurismo
Enfim acho que vou começar a ler o livro.
À primeira vista, uma poesia. Depois da leitura, uma narrativa. Depois da interpretação, um texto que penetra no leitor o quê do irônico, da frustração e até do trágico-cômico. Sem falar da indentificação que se faz com o eu-lírico/personagem. Muito gostoso de se ler.
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