sexta-feira, 5 de março de 2010

Voyeurismo.

Já não cabia mais ali

E por falta de espaço, fugi para o sótão

Na verdade era a laje da casa dos fundos

Mas preferia achar que era um sótão

Atrás da casa dos fundos

Havia um cemitério de bitucas de cigarro

E havia ainda uma estrada que ligava o nada á lugar nenhum

Sentava ali, e observava a vida dos vizinhos

Sempre fui meio voyeur

Mas ao invés do prazer assistia ao vazio

Da laje se via a cozinha da casa dos fundos

O barraco da casa ao lado, a varanda da rua de baixo

E ainda se via uma casa toda branca do outro lado da rua

Naquela casa, não havia nada, a não ser outro garoto sentado na laje,

Às vezes achava que era um espelho, pois o garoto era um tanto parecido

Com a minha solidão e tinha ainda os mesmos trejeitos que eu

Parecia que a vista era meio programada embora aquele

Fosse um condômino de casas aglomeradas uma em cima da outra

Como uma favela de classe media

E ainda sim tinha aquele teor arquitetônico

De que o morro fosse feito assim, para que os vizinho observassem

A vida dos outros, já que a própria vida

Nunca basta, nunca serve.

Sustentava meu vicio de singularidade

Sempre tive essa necessidade de me excluir da massa

Embora no final, eu me via como ela

Sendo assada ao forno, por falta de ter o que fazer

Afinal é para isso que serve a massa

Ser juntada numa forma

E assada pelo forno

E depois servida na mesa do café

Da laje não se via a Lua, era preciso olhar pra traz

Pra ver aquela coisa branca e toda circunflexa

Numa tentativa dessa manchei meu livro de poesias

Agora já não tinha mais de fingir que ia ler na laje

Até mesmo porque não passava do titulo

“O prédio, o tédio e o menino cego”

Sempre achei que o titulo cabia a mim

E a situação em cima da casa dos fundos

Até acontecer a denuncia da vizinha á minha mãe

“A senhora sabia que teu filho tem fumado na laje?”

Depois daquele dia, fui obrigado a aposentar o cemitério de bitucas

E agora assisto o deserto de gente da janela do meu quarto

Sem singularidade ou voyeurismo

Enfim acho que vou começar a ler o livro.

Guilherme Radonni

Um comentário:

  1. À primeira vista, uma poesia. Depois da leitura, uma narrativa. Depois da interpretação, um texto que penetra no leitor o quê do irônico, da frustração e até do trágico-cômico. Sem falar da indentificação que se faz com o eu-lírico/personagem. Muito gostoso de se ler.

    ResponderExcluir