terça-feira, 16 de março de 2010

A gilete deveria ser então uma forma de anticrescimento.

A distância entre a infância e o resto da vida

Pode ser medida por sons, cheiros e imagens

Pois esta percepção sobre as coisas

É que de fato perdemos e substituímos

Ao invés de explicações surreais feitas por nós mesmos

Para decifrar o que não compreendemos

Os porquês ganham outro tom

Um teor meio cientifico, contaminado pela razão

E é nessa transição entre o surreal e a razão

É que perdemos a sensibilidade lúdica

De crer na lua como queijo

Ou de tomar os comprimidos coloridos

Imaginando ser jujubas doces e antigenéricas

De qualquer forma ou de qualquer jeito

Essa transfiguração é obrigatória

Podemos retardar seus efeitos

Mais isso só alimenta um autismo temporário

Logo chega o transito, a bolsa de valores

O status social e os pelos

Acho que nada mais marca uma criança

Do que a aparição inesperada

Dos indesejáveis pelos

Por baixo dos braços, na extensão dos membros

E o mais trágico, por entre as pernas.

É como se a partir daquele momento

Uma curiosidade genital tomasse conta da vergonha

E logo vem os espelhos, os toques, as tensões e a descoberta

Por mais sexuais que possam ser as crianças

A partir do surgimento dos pelos

Elas, digo as crianças

Tentam esconder sua sexualidade

E nessa omissão do instinto

É que notamos uma transição

Entre conotação e intenção.

E se os pelos marcam essa passagem

A gilete deveria ser uma forma de anticrescimento

Mas por algum motivo não é.

Durante todo esse processo

Os ossos estão em constante desenvolvimento

Sempre me perguntei

Como não sentimos dores enquanto crescemos

Imaginava toda estrutura óssea tentando rasgar a pele

Para ganhar espaço entre a carne

Por fim, mudamos o tamanho das roupas

O numero dos sapatos

E ao invés de desenhos queremos rabiscar nossos próprios muros

Mas creio que guardamos numa espécie de memória afetiva

A capacidade nostálgica de se lembrar exatamente

Como nos sentíamos quando descobríamos as façanhas do mundo

Quando não, raspamos nossos pelos.

Guilherme Radonni.

segunda-feira, 15 de março de 2010

Em terra de cego...

O cego passa fome.
Ser humano:
animal evoluído que é o único que come a mesma espécie.
Poder, ganância e postura ereta,
antes andasse de quatro
e mativesse apenas o instinto da sobrevivência,
e não da superioridade.

O menino,
aprendeu cedo a tal da solidão,
logo, aprendeu tarde a lidar com o igual.
Sempre deu-se melhor com seres inanimados
ou que não falasse a sua língua.
O mundo veio a ele, e aí?
Perdeu um olho por não saber se defender...
Lançou-se com rigidez,
lutou até livre de suas vestes,
mas armado.
Dessa vez, igualou-se com sua presa...
E ainda querem saber,
porque aquele garoto de inteligência própria morre no final...
Qual é?
Pedeu por tratar todos iguais,
perdeu por não saber que sempre seu tapete é menor...
a educação é válida, quando se põe na prática.
Portanto...
Pratique a sua superioridade.
Você pode!

[desabafo de uma garota que não entende um mundo assim. Sofre por isso]

Ass.: Garota caolha.

14/03/2010

quinta-feira, 11 de março de 2010

E as aberraçoes, ainda que escalafobéticas, não são piores que as aberraçoes dentro de nós chamadas conceitos.


Inflamação

Já não posso escrever sobre o amor

Simplesmente porque não o sinto

E escrever sobre um não sentimento seria escrever sobre o vazio

Escrever com gotas de sangue num papel vermelho

Ou ainda chorar sobre a água que escorre

No entanto não poder captar essa tal inflamação

É como não estar vivo,

De que me vale pulmões fortes

Se estes não suspiram?

E é no vazio das tardes que percebo todo esse existencialismo

Essa metafísica do não sentimento

Esse incalculável vazio que me transborda os eixos

Talvez pela temperatura, ou então pelo bocejo do sol

Invadindo o chão da sala

Deixando tudo meio alaranjado

E é nesse quadro, nessa moldura das horas

Que eu me vejo só

Sozinho e com essa tal lacuna

Talvez se não tivessem inventado a filosofia

Não me contentaria com os pensamentos

Mas a inventaram

E junto com ela, inventaram a matemática

E essa me faz calcular,

Quanto tempo da minha vida se passou

E eu aqui fiquei, vendo o bocejo do sol

E o chão meio alaranjado.

Guilherme Radonni

terça-feira, 9 de março de 2010

O vagão, os trilhos e o maquinista.

E as horas chegavam feito vagões

Umas atrás das outras

Num terminal rodoviário chamado tempo

Nos vagões não havia mais nada que não as horas

E nos trilhos que conduziam a ferrovia

Havia o ferrugem e o cheiro da tarde

O maquinista usava um uniforme acinzentado

Tinha um olhar triste e melancólico

Como de quem estivesse executando um fardo,

Uma sina que não lhe pertencia

E a cada fio de fumaça solta pela carruagem de metal

Uma gota de suor escorria pelos poros do rosto carrancudo do maquinista

Fumaça e suor

Eram os restos do tempo e de quem o cumpria

E se não houvesse um maquinista?

Creio que ainda sim, não se pode parar o tempo

O curso dos trilhos não se é alterado

Talvez se não fossem de ferro ou de aço

Mas essa rigidez concreta não é tão removível

Não é manipulável

Mesmo que os vagões parassem, os trilhos permaneceriam ali

Levando tudo a um terminal

Enquanto a isso não a passageiro que possa alterar

A ordem das coisas é como os trilhos, irremovível

E quando não á motivo para uma viagem

O caminho vira o tédio

Vira tarde oca, vira vacuo embalado

Vira passageiro sem rumo certo

Sobre a tarde vázia, so se pode gasta-la

Le-la ou relate-la

Mas eu sou um analfabeto

Incompreendo o registro das horas

Talvez seja isto que há de errado no rosto do maquinista

Ele deve ser um analfabeto como eu

Não pode ler o destino dos trilhos e por isso

Leva o nada a lugar algum

Me arrisquei e comprei um bilhete sem saber pra onde ele me levaria

Embarquei mesmo assim

E agora estou preso neste terminal ferroviario

Não posso voltar, não posso partir

So me permitem sentar num banco da cor do uniforme do maquinista

E aguardar que alguem chegue no proximo vagão

Minha única espera, também é meu único lamento

Pois um companhia, não mudaria minha condição

Pelo contrario, só a confortaria

Em saber que não sou o único

A ter embarcado num vagão das horas,

Fiz um pedido ao maquinista, que ele me trouxesse na proxima viagem

Um caça-palavras, vou tentar aprender a ler o registro das horas.

Guilherme Radonni

domingo, 7 de março de 2010

Não existe a diferença de qualidades do ser humano, mas existe força.

A desigualdade [que as pessoas acham que existe] fica mais abaixo.
Não é na caixa de vidro acima,
é no material surrado embaixo.

Pés.
Vividos e amarelados.
Lutas!

No nosso quintal...

- Mãe! Tem gente morando no nosso quintal...
- O que? Dorme logo filho.

Mas tem...
é uma criatura.
Quando se tem falta de alguém,
se cria.
Pequeno ou grande...
Constroi-se fases para viver-se de lado.
Talvez eu veja fases que deveria ter passado
e ficou.
Talvez eu não veja nada antes,
mas tem.
Tem alguém morando no meu quintal...
é no de baixo,
é sempre mais baixo.
A noite fica na cabine de onde se faz sons,
e a tarde...
Tem algo morando aqui...
no coração joelho, debaixo do telhado
do mesmo teto que eu!
Ronca...
ninguém ouve,
mas ronca.
É um grito seco de ar falido,
é um amanhecer de falta de pão.

"Vende-se um abrigo"
"Vende-se dormitório de sons"

Vende-se lugar escuro onde não tem mais crianças...

- Boa noite meu menino.

A luz apaga.
O ronco vem,
e...

-Mãe! Juro que tem algo morando no nosso quintal!
- Tá filho! Dá um beijo de boa noite nele também.


Tábatta Iori
03.02.2010

Vin. dizer adeus

interessante.
Pressuposto para pôr nas mãos,
amassar e engolir.
Você é um anjo, um faz de conta para as contas acabarem.
Eu sinto fascínio por te ter,
não me dou por partes,
nem por inteira...
por alma ou sei lá.
Gostar é um fato de alcance,
e se faltar?
faltar gosto...
sem paladar,
nariz...
Chega de destruir sentimentos
e impedí-los de permenecerem
onde querem.
Descansar de você,
viajar e saudades.
Festa para o anfitrião,
o escolhido para eu viver isso...
o mestre das línguas.
Bem vindo ao meu mundo,
se for por falta de adaptação,
o que é fácil de ocorrer,
por favor...
não bata a janela ao sair.

[em uma data esquecida]
Tábatta Iori

sexta-feira, 5 de março de 2010

Voyeurismo.

Já não cabia mais ali

E por falta de espaço, fugi para o sótão

Na verdade era a laje da casa dos fundos

Mas preferia achar que era um sótão

Atrás da casa dos fundos

Havia um cemitério de bitucas de cigarro

E havia ainda uma estrada que ligava o nada á lugar nenhum

Sentava ali, e observava a vida dos vizinhos

Sempre fui meio voyeur

Mas ao invés do prazer assistia ao vazio

Da laje se via a cozinha da casa dos fundos

O barraco da casa ao lado, a varanda da rua de baixo

E ainda se via uma casa toda branca do outro lado da rua

Naquela casa, não havia nada, a não ser outro garoto sentado na laje,

Às vezes achava que era um espelho, pois o garoto era um tanto parecido

Com a minha solidão e tinha ainda os mesmos trejeitos que eu

Parecia que a vista era meio programada embora aquele

Fosse um condômino de casas aglomeradas uma em cima da outra

Como uma favela de classe media

E ainda sim tinha aquele teor arquitetônico

De que o morro fosse feito assim, para que os vizinho observassem

A vida dos outros, já que a própria vida

Nunca basta, nunca serve.

Sustentava meu vicio de singularidade

Sempre tive essa necessidade de me excluir da massa

Embora no final, eu me via como ela

Sendo assada ao forno, por falta de ter o que fazer

Afinal é para isso que serve a massa

Ser juntada numa forma

E assada pelo forno

E depois servida na mesa do café

Da laje não se via a Lua, era preciso olhar pra traz

Pra ver aquela coisa branca e toda circunflexa

Numa tentativa dessa manchei meu livro de poesias

Agora já não tinha mais de fingir que ia ler na laje

Até mesmo porque não passava do titulo

“O prédio, o tédio e o menino cego”

Sempre achei que o titulo cabia a mim

E a situação em cima da casa dos fundos

Até acontecer a denuncia da vizinha á minha mãe

“A senhora sabia que teu filho tem fumado na laje?”

Depois daquele dia, fui obrigado a aposentar o cemitério de bitucas

E agora assisto o deserto de gente da janela do meu quarto

Sem singularidade ou voyeurismo

Enfim acho que vou começar a ler o livro.

Guilherme Radonni

Sem título porque não é real...

Era pra ser guiado.
E quando as flores com borboletas mortas começam a cair?
É fugir...
Correr, correr com os dez dedos entre-abertos.
Voar até bater as costas.
Fingir que é real.
Quando não se tem mais paciência...
é bater e voltar,
cuspir.
Fingir que é real.
Enquanto o senhor daquela rua chora por não ter ninguém...
o que é ter alguém mais não querer mais pra si?
É só uma uma fase?
Ou é fingir que é real?
Estamos em uma bolha de amizade,
estamos com a amizade afogada.
Não finja que não é real.
Não ligue ausente,
fingindo que se ama.
Amar é doar-se,
não necessitar de algo ou daquele.
Eu ainda acho que finjir que é real é menos doloroso.
Ok, vamos tomar um café,
um cigarro e assim...
entrar naquela bolha falsa pra dormir.
Durma bem meu caro,
que minha insônia ataca
quando sabe que não é real!

Tábatta Iori

quinta-feira, 4 de março de 2010

Não posso mais ser um cineasta porque meus pais sempre deixavam a porta do quarto aberta...



"- Um cineasta é como um olheiro, um voyeur. É como se a câmara fosse a fechadura do quarto de seus pais. E você os espiaria. E você se sente culpado, mas não consegue parar de olhar."

Canibalismo, fome e sexo.

Talvez, devido ao nosso estado

De escravos de nossa própria condição

Digo a condição humana

Somos submetidos a nos mover

Por duas fomes

A primeira no sentido mais primitivo da palavra

Temos de nos alimentar para sobreviver não é?

E a segunda no sentido instintivo da palavra

Basicamente o homem é movido

Pelo estomago e pelo sexo

Duas lacunas, incapazes de serem preenchidas eternamente

Uma vez que comemos, digerimos e eliminamos

Outra vez que, penetramos, ejaculamos e dispensamos.

Assim se sucede o processo da fome humana

Que se satisfaz momentaneamente e logo após se insatisfaz

E é exatamente neste momento de insatisfação,

Que para calar a primeira fome

Degolamos nossos gados e asfixiamos nossos peixes

Já para suprir a segunda fome

Forçamos nossas esposas e estupramos putas nas ruas

E essa é a prova mais indigna de que somos animais

Incapazes de controlar nossos instintos

A única diferença entre nós ditos racionais e os outros

É que aperfeiçoamos o sistema

Ao invés de caçarmos, temos restaurantes

E ao invés de fazermos a dança do acasalamento

Temos bordéis, cabarés e prostíbulos.

E por isso achamos ser racionais?

Talvez a irracionalidade esteja na não concepção

Do o quão podre se pode ser

Talvez isso nos torne racionais, sabermos da putrefação alheia

Agora deveríamos assumir a própria.

Ou então começar comer uns aos outros

Seria nesse ato de canibalismo

Que juntaríamos as duas fomes numa só

Estuprar a carne e comer a mesma

Economizaríamos tempo e matéria prima

E ainda faríamos um favor a nós mesmos

De exterminarmos nossa condição humana

Talvez um banquete antropofágico

Seria uma bela carnificina

De aperitivo serviríamos a classe baixa

Assim eliminamos a miséria, certo?

Como prato de entrada a classe média

Afinal, massa sustenta, não é?

E como tira gosto, podemos tomar a classe alta

Ao paladar seria leve como champagne

Mas tenho certeza que daria uma bela de uma azia

E pra essa azia, não a chá que cure.

Guilherme Radonni

segunda-feira, 1 de março de 2010

A casa opaca, ou seria a família?

Todos estávamos em casa

Cada um separado em seu cômodo preferido

Uma vez que não era de costume permanecermos

Por muito tempo nas mesmas paredes

Quando assim meio que de repente a casa se apagou

Não que ela fosse muito brilhante, pois já estava precisando

De uma mão de tinta ou até duas.

Mas se apagou por dentro, como uma lâmpada que acaba de ser derrubada

E por ordem das coisas se apaga ao se estatelar ao chão

Estranho era que toda a rua estava acesa,

Tão iluminada que fazia contraste com a casa opaca

E assim foi, toda a família incluindo os quadros de estimação

Uma vez que não houvera outro animal que não a própria família

Ali permaneceu intacta e no escuro.

O irmão menor perguntou, “quem escondeu a luz?”.

A mais velha retrucou em cima da pergunta infantil

“Será que não se tem um dia comum nessa casa?”.

E eu, o do meio respondeu, sem pretensão de ser escutado

Já que estava em baixo da escada fingindo que sabia ler no escuro

“Se os dias nesta casa fossem comuns não seriamos nós os moradores”

Depois de um minuto ou dois de reclamações e resmungos

O silêncio e o escuro tomaram a casa

As moscas cegas por causa do escuro

Desistiram de voar sobre o resto do café que ainda estava sobre mesa

E pousaram sobre a louça suja na pia

E já que não havia luz, também não haveria janta

Pois a mãe dizia que cortaria a ponta dos dedos

Ao tentar cortar as cebolas

Desculpa, pois quando tem luz ela diz que as cebolas a fazem chorar

Por isso a comida é tão pouco temperada e insossa

Não to reclamando do prato que como

Só estou dizendo que se ela chorasse mais

As crianças não seriam tão apáticas.

O pai ainda irritado porque perderá o gol ou o não gol da partida de futebol

Quebrou o silêncio da casa, com um ronco perturbado

De quem dormiu por falta de opção

Eu que já estava cansado de fingir saber ler no escuro

Fui até o cômodo onde minha mãe se isolava e perguntei

“Será que alguém sabe o que aconteceu com a luz?”.

Ela amarga e acida respondeu

“E por acaso eu sou eletricista?”.

Uma semana se passou e depois de sete dias no escuro

A luz resolveu voltar

Não houve comemoração em nenhum dos cômodos

Nem reação alguma na casa,

Eu insistia em ler embaixo da escada

Enquanto meu pai roncava, minha mãe se recusava a cortar cebolas

A mais velha reclamava e o mais novo questionava

Tudo em cômodos separados, que não eram ligados nem por corredores

E mesmo de luzes acesas

Aquela parecia ser a casa menos iluminada e mais opaca da rua.

Talvez a família deveria trocar as lâmpadas.

Guilherme Radonni.