A distância entre a infância e o resto da vida
Pode ser medida por sons, cheiros e imagens
Pois esta percepção sobre as coisas
É que de fato perdemos e substituímos
Ao invés de explicações surreais feitas por nós mesmos
Para decifrar o que não compreendemos
Os porquês ganham outro tom
Um teor meio cientifico, contaminado pela razão
E é nessa transição entre o surreal e a razão
É que perdemos a sensibilidade lúdica
De crer na lua como queijo
Ou de tomar os comprimidos coloridos
Imaginando ser jujubas doces e antigenéricas
De qualquer forma ou de qualquer jeito
Essa transfiguração é obrigatória
Podemos retardar seus efeitos
Mais isso só alimenta um autismo temporário
Logo chega o transito, a bolsa de valores
O status social e os pelos
Acho que nada mais marca uma criança
Do que a aparição inesperada
Dos indesejáveis pelos
Por baixo dos braços, na extensão dos membros
E o mais trágico, por entre as pernas.
É como se a partir daquele momento
Uma curiosidade genital tomasse conta da vergonha
E logo vem os espelhos, os toques, as tensões e a descoberta
Por mais sexuais que possam ser as crianças
A partir do surgimento dos pelos
Elas, digo as crianças
Tentam esconder sua sexualidade
E nessa omissão do instinto
É que notamos uma transição
Entre conotação e intenção.
E se os pelos marcam essa passagem
A gilete deveria ser uma forma de anticrescimento
Mas por algum motivo não é.
Durante todo esse processo
Os ossos estão em constante desenvolvimento
Sempre me perguntei
Como não sentimos dores enquanto crescemos
Imaginava toda estrutura óssea tentando rasgar a pele
Para ganhar espaço entre a carne
Por fim, mudamos o tamanho das roupas
O numero dos sapatos
E ao invés de desenhos queremos rabiscar nossos próprios muros
Mas creio que guardamos numa espécie de memória afetiva
A capacidade nostálgica de se lembrar exatamente
Como nos sentíamos quando descobríamos as façanhas do mundo
Quando não, raspamos nossos pelos.