terça-feira, 17 de agosto de 2010

O Canil

E lá estava o homem,

Caminhando sozinho pelos corredores do canil abandonado

Nos olhos não havia mais nada que o tempo

E o reflexo dos cachorros que insistiam permanecer ali

Pelo menos na cabeça do velho

Nas paredes do antigo prédio

Havia poeira e um mau cheiro

Talvez fosse dos trapos e dos pêlos que ali ficaram.

Fazendo companhia aos ouvidos do homem

Havia o latido de três cachorros

O primeiro era um cão triste e cinza, que no lugar de patas tinha mãos

E por isso andava se arrastando e tombando pelos cantos com seu tom choroso

O outro era preto, tinha olhos de homem caídos em cima do focinho,

E um latido alto e rouco, imitando um grito de dor

Ou qualquer coisa parecida com desespero

E o terceiro, era um cão branco, que tinha as patas machucadas

E por causa disso andava tão lento que mal parecia sair do lugar

Esse ultimo não comia e também não latia

Talvez porque o cão tivesse lábios em lugar do focinho.

Pela fresta do portão se via um gramado mal cuidado

Que dava de frente para a rua.

O homem sentava ali e ficava horas assistindo o asfalto

Mas não tinha coragem de ir até a calçada

Se sentia preso, como se houvesse uma coleira em seu pescoço

E a cada passo em direção a rua, a coleira apertava-lhe a garganta

O medo de se enforcar era maior do que á vontade de sair

Por isso obedecia e permanecia ali sentado.

Cada dia dentro do canil era mais solitário do que o anterior

E para não esquecer da vida de antes

O homem alimentava os cachorros

Com as historias do passado, mas as tigelas estavam sempre cheias

Como se os cães não tivessem fome

Ou como se já conhecessem aquelas historias

Antes de dormir o velho ia conferir se os cães estavam por perto

Mas naquela noite o homem se assustou ao ver que o portão estava aberto

E as tigelas estavam vazias assim como o canil.

Desesperado o homem sai se arrastando e tombando pelo asfalto

Procurando com seus olhos caídos algum vestígio dos cachorros

Tentava chamá-los por um nome ou qualquer assobio

Mas não conseguia, só produzia ruídos e sons estranhos

O homem continuo correndo, procurando a única companhia

Que tivera durante anos

Quando se deparou com seu reflexo no vidro de uma vitrine.

Na imagem não havia nada familiar,

O espanto poderia ser pelo passar do tempo, mas não era

Ao invés de um olhar velho,

O homem tinha olhos de cães na fronte do rosto

Caídos sobre um focinho branco e no lugar das mãos cansadas

Havia patas, sujas e cinzas.

Confuso e atordoado,o homem voltou para o mausoléu

E antes de dormir, tentou tirar o canil

De dentro de si. Não conseguiu

Hoje, é qualquer coisa torta latindo por ai

Misturado no meio de vira-latas,

Roendo restos e correndo no meio dos carros.

Guilherme Radonni

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