E lá estava o homem,
Caminhando sozinho pelos corredores do canil abandonado
Nos olhos não havia mais nada que o tempo
E o reflexo dos cachorros que insistiam permanecer ali
Pelo menos na cabeça do velho
Nas paredes do antigo prédio
Havia poeira e um mau cheiro
Talvez fosse dos trapos e dos pêlos que ali ficaram.
Fazendo companhia aos ouvidos do homem
Havia o latido de três cachorros
O primeiro era um cão triste e cinza, que no lugar de patas tinha mãos
E por isso andava se arrastando e tombando pelos cantos com seu tom choroso
O outro era preto, tinha olhos de homem caídos em cima do focinho,
E um latido alto e rouco, imitando um grito de dor
Ou qualquer coisa parecida com desespero
E o terceiro, era um cão branco, que tinha as patas machucadas
E por causa disso andava tão lento que mal parecia sair do lugar
Esse ultimo não comia e também não latia
Talvez porque o cão tivesse lábios em lugar do focinho.
Pela fresta do portão se via um gramado mal cuidado
Que dava de frente para a rua.
O homem sentava ali e ficava horas assistindo o asfalto
Mas não tinha coragem de ir até a calçada
Se sentia preso, como se houvesse uma coleira em seu pescoço
E a cada passo em direção a rua, a coleira apertava-lhe a garganta
O medo de se enforcar era maior do que á vontade de sair
Por isso obedecia e permanecia ali sentado.
Cada dia dentro do canil era mais solitário do que o anterior
E para não esquecer da vida de antes
O homem alimentava os cachorros
Com as historias do passado, mas as tigelas estavam sempre cheias
Como se os cães não tivessem fome
Ou como se já conhecessem aquelas historias
Antes de dormir o velho ia conferir se os cães estavam por perto
Mas naquela noite o homem se assustou ao ver que o portão estava aberto
E as tigelas estavam vazias assim como o canil.
Desesperado o homem sai se arrastando e tombando pelo asfalto
Procurando com seus olhos caídos algum vestígio dos cachorros
Tentava chamá-los por um nome ou qualquer assobio
Mas não conseguia, só produzia ruídos e sons estranhos
O homem continuo correndo, procurando a única companhia
Que tivera durante anos
Quando se deparou com seu reflexo no vidro de uma vitrine.
Na imagem não havia nada familiar,
O espanto poderia ser pelo passar do tempo, mas não era
Ao invés de um olhar velho,
O homem tinha olhos de cães na fronte do rosto
Caídos sobre um focinho branco e no lugar das mãos cansadas
Havia patas, sujas e cinzas.
Confuso e atordoado,o homem voltou para o mausoléu
E antes de dormir, tentou tirar o canil
De dentro de si. Não conseguiu
Hoje, é qualquer coisa torta latindo por ai
Misturado no meio de vira-latas,
Roendo restos e correndo no meio dos carros.
Guilherme Radonni
Nenhum comentário:
Postar um comentário