Metade de luz na carne
Metade de sombra na pele
Calor de fumaça
E eu me afogando no ralo
Tendo ataques epiléticos
Junto á uma barata, daquelas anti-bomba atômica
Que come as próprias antenas
Só para interditar a comunicação
Na casa antiga
Nenhuma criança brincando
Nenhum joelho ralado
Nenhum rabisco de giz na parede
O que era quintal, agora é um deserto
Rasgado com retrato de águas vazando no azulejo
Seco e sem cor
Feche os olhos grande publico
Sinta o laranja do sol
Queimando as retinas por baixo da pele
E veja a dilatação da realidade
Manchadas com tons de cores que eu não sei o nome
Equalizado com pedaços de velhas canções
Essa é a decoração da tal Senhora Nostalgia
A mesma senhora que me afunda no tanque
Quem ficar mais tempo em baixa da água
Ganha mais sobremesa na fotografia
Sobre a mesa, pólvora
Eis o doce do homem
Exposto, sem data e sem assinatura
Por que a idade levou o meu quintal?
Não tenho mais tamanho,
Para brincar com cata-vento de papel
Se não o vento me engole
Se não viro inseto se contorcendo no canto
E não sou barata, nem borboleta,
Nem sequer sou anti-bomba atômica
Sou só uma velha lembrança
Dançando no reflexo do quintal
Servindo de orquestra para a vizinha
Que me assisti pelo buraco do muro
O mesmo buraco por onde vi
Ela transando com o jardineiro
Acho que fui baleado naquele dia
E o revolver era a malicia tirando minha inocência
O que sobrou, virou cicatriz, sangue coagulado,
Que nem as rachaduras que ficaram no quintal.
Já leu "A paixão segundo G.H."?
ResponderExcluirÉ da Clarice Lispector. É ótimo, uma viagem.
Parabéns pelo texto.