segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Inveja sobre a existência da galinha.

O meu único e incarregável fardo

È somente aquilo que me difere de uma galinha

Meu pecado é pensar

È ter essa voz gritando no silêncio

Essa insatisfação de crer nas cores como elas são

Seguido de uma taquicardia

Só por olhar nas prateleira e ver as leis do mundo

E se não fui eu que criei tal prateleira

Muito menos as leis postas nelas

Como posso cegamente obedece-las

Se não sou cego, nem santo.

Nada me rege, minha bússola não tem norte

Porque o meu norte não fica acima de sul algum

Só tenho interrogações
Costuradas com sangue e calos

E algumas cicatrizes causadas pelas horas.

Sempre as horas, pesando cada vez mais

Não tenho ânimo nem coragem pra carrega-las

Deve ser por isso que ando me arrastando.

Quem dera eu ter o dom e a dádiva

Que tem uma galinha

De simplesmente ciscar pelo terreiro

Dançando com seu pescoço degolado

Procurando milho e botando ovos

Sem nem sequer pensar o que é o terreiro.

O pensar é como um estupro

Te penetra a força e nunca mais sai

Traumático. Sem punição

Afinal quem acredita numa puta que chora por ter sido violentada?

Talvez o padre ou talvez a galinha.

Preciso aprender a rezar e a ter um pouquinho mais de ignorância

Os dois funcionam como um calmante

Pra aliviar essa dor de cabeça.

Guilherme Radonni

Sincronia.







Infância.

Metade de luz na carne

Metade de sombra na pele

Calor de fumaça

E eu me afogando no ralo

Tendo ataques epiléticos

Junto á uma barata, daquelas anti-bomba atômica

Que come as próprias antenas

Só para interditar a comunicação

Na casa antiga

Nenhuma criança brincando

Nenhum joelho ralado

Nenhum rabisco de giz na parede

O que era quintal, agora é um deserto

Rasgado com retrato de águas vazando no azulejo

Seco e sem cor

Feche os olhos grande publico

Sinta o laranja do sol

Queimando as retinas por baixo da pele

E veja a dilatação da realidade

Manchadas com tons de cores que eu não sei o nome

Equalizado com pedaços de velhas canções

Essa é a decoração da tal Senhora Nostalgia

A mesma senhora que me afunda no tanque

Quem ficar mais tempo em baixa da água

Ganha mais sobremesa na fotografia

Sobre a mesa, pólvora

Eis o doce do homem

Exposto, sem data e sem assinatura

Por que a idade levou o meu quintal?

Não tenho mais tamanho,

Para brincar com cata-vento de papel

Se não o vento me engole

Se não viro inseto se contorcendo no canto

E não sou barata, nem borboleta,

Nem sequer sou anti-bomba atômica

Sou só uma velha lembrança

Dançando no reflexo do quintal

Servindo de orquestra para a vizinha

Que me assisti pelo buraco do muro

O mesmo buraco por onde vi

Ela transando com o jardineiro

Acho que fui baleado naquele dia

E o revolver era a malicia tirando minha inocência

O que sobrou, virou cicatriz, sangue coagulado,

Que nem as rachaduras que ficaram no quintal.

Guilherme Radonni.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Sou a obra que desaba dentro de mim.


Interditado

Naquela tarde. Não fui nada

Além de um prédio abandonado

As minhas partes não faziam parte de um todo

Era sozinho e nem tão particular

Infinitamente restos do que eu já fui um dia

Mas agora, sou invadido por sentimentos marginais

Como garotos que invadem as construções

Meus olhos se tornaram rachaduras na parede do meu rosto

E meu pés?

Pobre dos meus pés, antes fosse de tanto dançar

Mas valsa nenhuma consegue fazer o que o tempo fez

Agora são escombros largados ao chão

Que a cada passo dado,

Sente que o meu chão esta desabando

Estrago, no meio de poeira e descaso

O meu resto nas paredes

Pintadas com essa tinta que um dia foi cor

E hoje é só vácuo descascando.

No lugar de janelas. Tenho buracos.

E não pense que não faz diferença

Janela é horizonte, buraco é onde se cai

Não tenho chance de reforma

Sou um prédio quebrado

Novo, mas que não durou

E por isso sou velho

Não agüentei ao inverno, esquentei de mais no verão

Abriguei ratos, tive goteiras e problemas de encanamento

Ninguém quer morar em um prédio desses

À não ser mendigos, esses sempre caem em qualquer canto

Foi isso que eu virei, um canto.

Já pedi clemência á vigilância sanitária

Pra que eles acabem comigo de vez

Mas eles não perdem tempo

Com edifícios abandonados

E para o meu desespero, não vão me concertar.

Vão esperar eu desmoronar com o tempo

Antes virasse entulho de uma vez, mas não,

Tenho de aguardar para ser demolido pelas horas.

Guilherme Radonni.

Reflexo.

Porque o caos está em tudo.

Nos olhos que se abrem e só enxergam o cinza

Na voz que grita sem volume

No telefone que toca sem ter alguém na linha

Tudo.

A nossa percepção sobre o caos

È que instintivamente produz o caótico

Visto isso, o caos esta em nós

Sobre nós e por nós.

E a reverberação disso,
É o existencialismo a escorrer nos muros
Nas paredes de pele e no chão de carne
O que se tem a fazer?

Canibalismo não é a pratica mais comum
E ainda que conseguíssemos demolir as paredes
Não poderíamos demolir o chão.
Resta a loucura

Endoidecer para crer numa fuga
Criar sua própria religião
E amar o caos.
Sem ordem ou limite

Simplesmente amar,

Em toda a estrutura que acreditamos ser o amor

Agora corra, salte sobre os carros,

Espere o trem com a cabeça nos trilhos

Escorregue a faca para dentro de si mesmo
Não faço apologia ao suicídio
Não incentivo á fraqueza
Somente admiro a coragem

Pois eu, não a tenho

Sou somente uma tentativa frustrada

Do que chamamos de arte

Que só consegue ficar aqui assistindo ao caos

Devaneando sobre as linhas enquanto ouve vozes

E no meu choro

O pranto de outros

E na minha dança a música alheia

E no meu grito o silêncio
Sempre o silêncio á atropelar tudo

A fazer poeira do som

A causar dor nos ouvidos
Me calo, já falei de mais
Olhe para o espelho e verá o caos.

Guilherme Radonni.





terça-feira, 17 de agosto de 2010

Zoomorfização


O Canil

E lá estava o homem,

Caminhando sozinho pelos corredores do canil abandonado

Nos olhos não havia mais nada que o tempo

E o reflexo dos cachorros que insistiam permanecer ali

Pelo menos na cabeça do velho

Nas paredes do antigo prédio

Havia poeira e um mau cheiro

Talvez fosse dos trapos e dos pêlos que ali ficaram.

Fazendo companhia aos ouvidos do homem

Havia o latido de três cachorros

O primeiro era um cão triste e cinza, que no lugar de patas tinha mãos

E por isso andava se arrastando e tombando pelos cantos com seu tom choroso

O outro era preto, tinha olhos de homem caídos em cima do focinho,

E um latido alto e rouco, imitando um grito de dor

Ou qualquer coisa parecida com desespero

E o terceiro, era um cão branco, que tinha as patas machucadas

E por causa disso andava tão lento que mal parecia sair do lugar

Esse ultimo não comia e também não latia

Talvez porque o cão tivesse lábios em lugar do focinho.

Pela fresta do portão se via um gramado mal cuidado

Que dava de frente para a rua.

O homem sentava ali e ficava horas assistindo o asfalto

Mas não tinha coragem de ir até a calçada

Se sentia preso, como se houvesse uma coleira em seu pescoço

E a cada passo em direção a rua, a coleira apertava-lhe a garganta

O medo de se enforcar era maior do que á vontade de sair

Por isso obedecia e permanecia ali sentado.

Cada dia dentro do canil era mais solitário do que o anterior

E para não esquecer da vida de antes

O homem alimentava os cachorros

Com as historias do passado, mas as tigelas estavam sempre cheias

Como se os cães não tivessem fome

Ou como se já conhecessem aquelas historias

Antes de dormir o velho ia conferir se os cães estavam por perto

Mas naquela noite o homem se assustou ao ver que o portão estava aberto

E as tigelas estavam vazias assim como o canil.

Desesperado o homem sai se arrastando e tombando pelo asfalto

Procurando com seus olhos caídos algum vestígio dos cachorros

Tentava chamá-los por um nome ou qualquer assobio

Mas não conseguia, só produzia ruídos e sons estranhos

O homem continuo correndo, procurando a única companhia

Que tivera durante anos

Quando se deparou com seu reflexo no vidro de uma vitrine.

Na imagem não havia nada familiar,

O espanto poderia ser pelo passar do tempo, mas não era

Ao invés de um olhar velho,

O homem tinha olhos de cães na fronte do rosto

Caídos sobre um focinho branco e no lugar das mãos cansadas

Havia patas, sujas e cinzas.

Confuso e atordoado,o homem voltou para o mausoléu

E antes de dormir, tentou tirar o canil

De dentro de si. Não conseguiu

Hoje, é qualquer coisa torta latindo por ai

Misturado no meio de vira-latas,

Roendo restos e correndo no meio dos carros.

Guilherme Radonni

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Vazamento de tinta fresca.

Talvez o exagero do branco,

Talvez o excesso de claridade

Já não importa mais

Só depois de realmente fechar os olhos.

Pude enxergar.

È como se a luz tivesse vazado pela minha pele

E nesse vazamento iluminou só aquilo

Que deveria ser mostrado

Percepção alterada,

Tudo é contraste, tudo é sensorial

Até que ponto a realidade é fato

Talvez a visão deturpada pela dilatação das pupilas

Já não tenha referência sobre o que é um corpo

Nada é um corpo

Tudo é apenas uma representação

Uma projeção sobre luz e sombra

Que a antimatéria registra como objeto

E cabe a nós alimentar a crença desse objeto

Com um pouco de fé e muita ignorância.

Já não vejo lógica na matemática

Não se pode calcular a inexistência

E não sei o nome daquela cor que esta tingindo o céu

Só me sinto afogado nela, e tentando descobrir

Com que cor se parece,

Quero inventar uma nova cor,

Contamina-la com um pouco de mim

E pintar todos os muros e mares com ela

Depois chamá-la de cor-de-catatonia

Quem sabe a loucura salve o mundo

Ou pelo menos salve a mim.

Prometi não coloca-la nesse poema

Mas como? Se tudo que escrevo é para ti

Todas as interrogações é perguntando onde você esta

Todas as virgulas são somente para te incluir

Mas eu nunca fui bom com promessas

Nem com poesias de amor

Só sei sobre o vazio

Sobre esse vácuo a atropelar tudo

Deixando teu cheiro como rastro

Mas não posso falhar agora

Essa é minha ultima tentativa

Tenho de ir, tenho de terminar o que comecei

A tinta já esta secando.

Guilherme Radonni

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Frases e efeitos que não levam a nada.

Só vale a pena sentir para ao menos deixar de sentir.

Pois dos meus olhos cansados só saem fumaça,

Atrase, mas trague a fumaça dos meus olhos.

Mãe, olha o que trouxe do mundo para você,

O hálito cinza das calçadas.

Perdido, quebrado, junte as lágrimas com os cacos de vidro

Preciso achar os trilhos, e nem sei onde fica a estação.

Mas eu não saio daqui,

Só vou ao bar ao lado para pegar uma cerveja

E com o fundo do copo me deixe em silêncio

Cultivando a minha espera.

Pega fogo em tudo...

Guilherme Radonni, Tabatta Iori e Jaqueline Soares.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Reparação.

Você aqui, e em todo lugar

A questão é que você é todos os lugares

È tudo e é imenso

Já é maior do que eu

Não consigo medir o tamanho disso

Pelo menos não com as medidas já conhecidas

É preciso então novas proporções

Já que agora nem a matemática é lógica

E essa constante percepção sobre eu e você

Já se tornou uma religião

Só creio nisso, nesse sentimento a atropelar tudo.

Tu es ratio meae.