Mais uma vez,
Cá estou eu falando da velha angústia
Que me transborda os eixos
Que culpa tenho, se a única coisa que um poeta sabe fazer
É traduzir em versos, aquilo que o peito sente
E se é angústia que me toma
Serás de angústia o gosto do papel e das palavras
Amargas e acidas, e ainda sim
Parte de um discurso de socorro.
Coisa imensa essa das palavras
Através destas podemos capturar
Sentimentos e até não-sentimentos
E armazena-los nos papeis em branco
Talvez este foi meu erro
Encher folhas vazias, com o meu próprio vazio
E como se isto já não fosse o bastante
Eu prendi a minha angustia em forma de verso
Uma prisão literária,
Que transforma em cárcere minha dor e minha guerra
E me obriga visitá-la todas as manhãs
E eu como bom pai de meu próprio lamento
Ainda faço questão de lhe levar
Pão e água
O que só faz tal dor se alimentar de minha visita
De minha presença, de minha insistência
Em servir de plateia
Pro meu próprio desespero.
Sou o público do meu vazio, a visita do que me prende
Antes fosse numa cela
Mas estou preso nos meus versos
Versos estes já condenados
E com pena morte.
Dei-me a sentença dos últimos dias
Talvez desta maneira eu seja executado
E por fim enterrado
Mas ainda assim
Parte de mim, ou melhor parte de meu vazio,
Permaneceria intacto
Pois não se enterra o verso
E nem se faz velório aos papeis
E são estes restos de mim
Que permaneceram a vociferar
O eco do meu grito
Pois enquanto eu escrever
Continuarei morrendo,
E ainda sim continuarei vivo
E este estado entre estar vivo e não estar
É que me mata a cada dia e alimenta meu vazio
Ao júri confesso,
O meu único crime, o meu verso.