terça-feira, 5 de julho de 2011

Le Sacrale

(É assim que rezo quando se esta frio de mais para se ajoelhar)


Era o dia mais frio do ano

Na casa antiga,

O vazio das férias de julho

Todos foram viajar

E o menino de corpo inquieto

Ficara para trás,

Sozinho, junto ao eco dos cômodos

Invadido por um tipo de solidão ao contrário

O menino dançava euforicamente pela casa

Enrolado por cobertas que fingia ser cenário

Daquela dança sacrificial ao ritmo dissonante de Stravinsky

Foi a maneira mais instintiva que arrumou

Para se entreter e se esquentar.

Manchando as paredes com movimento e tremor

Atravessando aos giros os corredores escuros

Ele improvisava em cada canto

E cada canto se contaminava de som e fúria

Uma força visceral que lhe tomava as pontas do corpo

E lhe fazia aumentar o ritmo,

Pulsando rigidamente naquela cadência canibalística

Como uma auto-devoração,

Uma dança progressiva que riscava as portas e janelas

Que filtrava os graus e lhe fazia esquecer da temperatura

Febre de oboé, calor de eufônio

E a sinfonia transbordando pelos furos do corpo

Escorria pelos olhos, nariz e boca.

Havia evocado o ritual da sagração

O profano e o divino

O corpo que cai

Num ato de euforia o menino se despiu

E ofereceu teu corpo inquieto aos deuses do som

Era o dia mais frio do ano
E ele, o menino que dançava para se aquecer

Havia se entregado a ventania.





Guilherme Radonni.

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