domingo, 25 de julho de 2010

O Quadro.

Era inverno e o frio dos sorrisos

Se misturavam com o frio das ruas

Os mendigos permaneciam em seus lugares

E a indiferença também

Embaixo da sola dos sapatos

A sujeira e a rotina

Nada interferia o fluxo da paisagem

Nem mesmo os olhares vazios

Esses mesmo olhares que denunciavam

Que ninguém naquele quadro estava ali de fato

Todos estavam na vontade de não estar em lugar algum

Menos ela, a garota quieta no fundo do quadro

Logo ali, perto da moldura

Perto da timidez e da mancha cinza na parede

Ela não queria estar em outro lugar

Se não ali, pois do ângulo onde repousava

A garota de olhos baixos conseguia enxergar

Do outro lado do quadro, uma senhora que dançava feito uma cigana

A garota se inflamava inteira por dentro

Com uma vontade do tamanho de todos os sapatos juntos

De atravessar a rua no ritmo da dança improvisada

Mas por algum motivo maior,

A garota não se arriscava a dar um passo se quer

E permanecia ali, tímida e insossa

Como a mancha cinza na parede.

Os outros não notavam nada

Nem a garota, nem a velha

Mas isso mudou depois que o vigésimo passageiro

Entrou no ônibus, que vinha do final da rua

Para o começo do quadro.

Ele, o sem jeito do vigésimo passageiro estava um tanto desnorteado

Como quem nunca houvera pegado um ônibus na vida

E resolvera pegar logo naquele dia

O dia em que a garota tímida do final do quadro

Tomou coragem de atravessar a rua dançando feito uma louca

Hipnotizada pela cigana vestida de convite

No mesmo momento o passageiro que iria pegar as moedas

No fundo do bolso do casaco, tropeçou no cadarço da jovem estudante loira

Que esbarrou na gestante grávida de gêmeos

Que caiu em cima do motorista. Ele, o coitado do motorista

Tentou frear o comboio, mas por causa da garoa

O asfalto estava molhado o que retardou a parada sem sinal do ônibus

Por um instante todo o quadro fora interrompido

E todos os sapatos estavam voltados para o acidente

Fratura exposta, traumatismo craniano, sangue boiando.

Mas estava frio e ninguém queria estar realmente ali

Depois de um minuto ou dois

Os mendigos voltaram para os seus lugares

E a indiferença também

Enquanto os outros já não notavam mais nada

Nem a garota, nem a velha.

Guilherme Radonni.

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