Me sinto como fumaça
Me desmanchando sobre o ar
E me perdendo no silêncio da minha voz
Sou um grito mudo no cinza da tarde
Estampado no olhar cego de quem só enxerga
O extremo do branco
Branco sem paz
Meu tormento é saudade
Minha ânsia é de sentir esse não sentimento
O vazio espalhado sem ordem
Escorrendo como chuva
No seco da cidade
Já está tarde em mim para se falar de existencialismo
Prefiro anoitecer
Porque o a manhã é uma espera
É uma ansiedade de se encontrar no verde
Que verde? Aqui da janela só vejo o reflexo
Do quadro sem paisagem
Estou sem molduras
E a única tinta nessa obra está me manchando
Esconderam meus pincéis no túmulo em que te enterram
E não tenho coragem de me procurar na tua cova
Agora sou arte abstrata
Talvez o tempo coloque meus olhos no lugar
Porque do ângulo onde vejo
Já não vejo nada.
Um cego ainda tem tato, olfato e às vezes sensatez
Mais um louco, só tem a prisão de ter a liberdade
E o tédio de não ter ficção alguma
Já que você levou minha criatividade
Minha percepção da realidade
Visto isso não tenho referência pra disfarçar minha dor
Muito menos pra fugir do caos
Porque o caos está em mim
Esta na mania de não se desprender da memória
Maldita catatonia que nos contaminou
No manual de instruções não havia cura
Estou doente e só
Estou no vácuo do teu óbito
Mas já está tarde pra se falar de bulas de remédio
Vou pendurar as lembranças no varal do quintal dos fundos
E esperar que um vento qualquer leve os trapos que ando vestindo
No momento é só isso que posso esperar
Enquanto rezo a um Deus qualquer
Por uma religião.
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