terça-feira, 27 de julho de 2010
domingo, 25 de julho de 2010
O Quadro.
Era inverno e o frio dos sorrisos
Se misturavam com o frio das ruas
Os mendigos permaneciam em seus lugares
E a indiferença também
Embaixo da sola dos sapatos
A sujeira e a rotina
Nada interferia o fluxo da paisagem
Nem mesmo os olhares vazios
Esses mesmo olhares que denunciavam
Que ninguém naquele quadro estava ali de fato
Todos estavam na vontade de não estar em lugar algum
Menos ela, a garota quieta no fundo do quadro
Logo ali, perto da moldura
Perto da timidez e da mancha cinza na parede
Ela não queria estar em outro lugar
Se não ali, pois do ângulo onde repousava
A garota de olhos baixos conseguia enxergar
Do outro lado do quadro, uma senhora que dançava feito uma cigana
A garota se inflamava inteira por dentro
Com uma vontade do tamanho de todos os sapatos juntos
De atravessar a rua no ritmo da dança improvisada
Mas por algum motivo maior,
A garota não se arriscava a dar um passo se quer
E permanecia ali, tímida e insossa
Como a mancha cinza na parede.
Os outros não notavam nada
Nem a garota, nem a velha
Mas isso mudou depois que o vigésimo passageiro
Entrou no ônibus, que vinha do final da rua
Para o começo do quadro.
Ele, o sem jeito do vigésimo passageiro estava um tanto desnorteado
Como quem nunca houvera pegado um ônibus na vida
E resolvera pegar logo naquele dia
O dia em que a garota tímida do final do quadro
Tomou coragem de atravessar a rua dançando feito uma louca
Hipnotizada pela cigana vestida de convite
No mesmo momento o passageiro que iria pegar as moedas
No fundo do bolso do casaco, tropeçou no cadarço da jovem estudante loira
Que esbarrou na gestante grávida de gêmeos
Que caiu em cima do motorista. Ele, o coitado do motorista
Tentou frear o comboio, mas por causa da garoa
O asfalto estava molhado o que retardou a parada sem sinal do ônibus
Por um instante todo o quadro fora interrompido
E todos os sapatos estavam voltados para o acidente
Fratura exposta, traumatismo craniano, sangue boiando.
Mas estava frio e ninguém queria estar realmente ali
Depois de um minuto ou dois
Os mendigos voltaram para os seus lugares
E a indiferença também
Enquanto os outros já não notavam mais nada
Nem a garota, nem a velha.
quarta-feira, 21 de julho de 2010
A surdez do mundo.
Acho que estou com os ouvidos inflamados
Tudo o que ouço é som
Mesmo sendo silêncio
Tudo o que ouço é voz
O eco dos dedos se debatendo nas paredes
O vácuo da campainha alertada sem visita
O grito do criado mudo
Pedindo socorro por ser estático
O barulho da carta sendo aberta
Sem saudade
O som da idade
A voz dos pratos
Se afogando na pia sem salva-vidas
Ouço o cansaço dos tornozelos
E até a partida dos pés que se foram
Mas não ouço minha própria voz
Acho que estou meio surdo
Pois não ouço a ordem do mundo
Do ângulo onde estou
Só escuto o caos
Talvez se todos desligassem as televisões ao mesmo tempo
Poderiam escutar esse ruído que me incomoda
É tão sutil, mas ainda sim, preferia ser surdo
Pois acho que estou louco
Contaminado pelo grito do silêncio
A surdez do mundo não está nos ouvidos
Está na falta de percepção
Na falta de poesia
Na mania de ligar a tv todos juntos no mesmo horário
Para que o chiado da caixa preta
Abafe o som que não entendemos
Já começou de novo,
Estou, ouvindo, o, som, das vírgulas,
Postas, sem, organicidade.
Deveriam ser intervalos, mas não são
Hoje em dia não se tem tempo para não ter tempo
Alguém aumente o volume da música
Não quero mais ouvir a disritmia do mundo.
Guilherme Radonni.
segunda-feira, 19 de julho de 2010
quarta-feira, 14 de julho de 2010
Crença.
Me sinto como fumaça
Me desmanchando sobre o ar
E me perdendo no silêncio da minha voz
Sou um grito mudo no cinza da tarde
Estampado no olhar cego de quem só enxerga
O extremo do branco
Branco sem paz
Meu tormento é saudade
Minha ânsia é de sentir esse não sentimento
O vazio espalhado sem ordem
Escorrendo como chuva
No seco da cidade
Já está tarde em mim para se falar de existencialismo
Prefiro anoitecer
Porque o a manhã é uma espera
É uma ansiedade de se encontrar no verde
Que verde? Aqui da janela só vejo o reflexo
Do quadro sem paisagem
Estou sem molduras
E a única tinta nessa obra está me manchando
Esconderam meus pincéis no túmulo em que te enterram
E não tenho coragem de me procurar na tua cova
Agora sou arte abstrata
Talvez o tempo coloque meus olhos no lugar
Porque do ângulo onde vejo
Já não vejo nada.
Um cego ainda tem tato, olfato e às vezes sensatez
Mais um louco, só tem a prisão de ter a liberdade
E o tédio de não ter ficção alguma
Já que você levou minha criatividade
Minha percepção da realidade
Visto isso não tenho referência pra disfarçar minha dor
Muito menos pra fugir do caos
Porque o caos está em mim
Esta na mania de não se desprender da memória
Maldita catatonia que nos contaminou
No manual de instruções não havia cura
Estou doente e só
Estou no vácuo do teu óbito
Mas já está tarde pra se falar de bulas de remédio
Vou pendurar as lembranças no varal do quintal dos fundos
E esperar que um vento qualquer leve os trapos que ando vestindo
No momento é só isso que posso esperar
Enquanto rezo a um Deus qualquer
Por uma religião.
quarta-feira, 7 de julho de 2010
Coentro
Ainda não descobri o que me causa essa ânsia
Mas entre as possíveis respostas estão
Você e o coentro que minha mãe usava como tempero
De qualquer jeito tenho uma vontade imensa
De expulsar eu de mim mesmo
Como se isso fosse possível
Talvez não seja eu
E sim uma parte de mim contaminada de você
E ao contrario do coentro
Não consigo te digerir
E sinto que dessa vez minha garganta
Não ira abrir espaço para te regurgitar
Mas sei que não posso
Te deixar dar um nó em meu estomago
Muito menos oferecer meu pâncreas e meu baço
Para você se enroscar.
Tenho de te rasgar inteira
Rasgar os cheiros, as lembranças e o paladar
Já que agora até o coentro me lembra você.
Não. Isso não foi uma má digestão
Pelo contrario, quando comecei te mastigar
Parecia que mordia um pedaço agridoce da eternidade
O problema é que você morreu dentro de mim
Sem direito a velório ou festa
Simplesmente morreu e ficou lá
Parada dento do meu particular
E agora, ando vomitando por ai
Com esse mau estar a me fazer pregas na alma
Essa náusea dando nós e nós em minhas entranhas
Condenado a ter o teu gosto amarrado em minha boca
Como se todo o resto fosse uma sobra tua
Uma sobra agridoce daquilo que já foi inteiro
E que agora esta me digerindo
Me causando úlcera, azia ou qualquer coisa azeda dentro de mim
Já implorei para minha mãe
Não te usar como tempero em meus pratos
Mas ela me ignora e insiste
Fala que não devo me intrometer na cozinha
Que eu tenho de comer e não reclamar
Que não devo deixar restos no prato,
Ela sempre diz que coentro
Faz bem pra memória.
Guilherme Radonni.