quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011
Presa em um grito anterior.
quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011
Mar seco.
Enquanto esperava por um atropelamento
Na última rua que cruzava comigo mesmo
Me assistia sentado na calçada cinza e esburacada
A multidão, de olhos fechados
Não assistiam nem amim, nem a nada
Enquanto a ordem contaminava o resto
Com um rítmo pesado e invisível
Todos marchavam com os pés cansados
Para lugar nenhum
No mesmo compasso de um mar de ondas
Que quebra na areia e se desfaz
Enquanto meu corpo resistia em não se afogar
Eu era arrastado por aquela multidão de ossos e cheiros
Desaparecendo em um oceano oco, feito de concreto e gente.
Talvez fosse esse o atropelamento que esperava
E por ser eu o acidentado
Não sabia ao certo o que acontecia
Devo ter batido com a cabeça depois da queda
Ou então engoli muita água
Desse mar de gente intacta
Enquanto eu me afogava.
Guilherme Radonni.
quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011
O Menino e o Sol.
Naquela tarde, o menino sem cor, deitou no verde do parque
E repousou sua cabeça em um canto qualquer,
Procurou uma fresta de luz no meio das folhas
E se perdeu, no primeiro raio de sol que tocou o seu rosto
Sentiu o calor penetrando tua pele morna
Fazendo de si um pedaço de corpo iluminado
E pela primeira vez em anos, sentiu amor
E ali ficou durante toda a tarde
Como uma planta estática, em processo de fotossíntese
Contemplando o brilho da luz
Que lhe transbordou os graus.
E lhe afagou o peito.
Naquela tarde no parque inteiro não existiu mais nada
Que não fosse o menino e o sol
O reflexo laranja filtrava a falta de cor nos olhos
E o calor aquecia suas mãos que eram sempre frias
Era aquilo que lhe faltava
Uma fresta de luz, uma mancha de cor
Um intervalo em âmbar.
E anoiteceu, o menino sem cor se sentiu perdido e embriagado
Não conseguia se desprender da sensação que havia sentido
Ficou preso numa espécie de vácuo nostálgico
E durante toda noite vagou pelo parque
Na esperança de encontrar qualquer tom infra-vermelho
Não conseguiu,
Caiu, por falta de luz ou de força
E esperou o primeiro sinal laranja manchar o céu
Já era dia e o menino sem cor
Amanhecia por dentro
Era policromático e sorria
E a cada minuto se sentia mais e mais embriagado
Daquela sensação inexplicável que só ele havia sentido.
Era verão e os relógios já se aproximavam do meio dia
Os termómetros marcavam o dia mais quente do ano
E o menino, o dia mais feliz de sua vida
Pois sentia uma febre indecifrável que lhe causava conforto
Misturado com o calor alucinógeno que lhe fazia transpirar
Tudo aquilo que não era amor
Seu corpo já não era sem cor
Tinha uma superfície alaranjada e vermelha
Que cobria toda a pele e não lhe deixava sair dali
Simplesmente porque não queria,
Havia decidido que nunca mais deixaria o calor
E num instante de euforia ao contrario
O menino se lançou ao sol, se desprendeu de sua falta de cor
E mergulhou no laranja ardente do meio dia.
Morreu de insolação, exposição ao sol
O corpo cheio de feridas e queimaduras
E de fato já não era mais sem cor
Havia encontrado tua policromia
Havia encontrado
O amor.
Guilherme Radonni.