terça-feira, 18 de maio de 2010

" Quanta agonia esse lugar, parece que tudo se arrasta, saudade da porra".


O acidente, o diagnóstico e os olhos rasgados.

Naquele dia, apaguei todos os meus versos

E manchei todos os papeis com o teu nome

Só para não esquecer

Do dia em que eu me enterrei

Nesse dia, teus olhos cegaram os meus

E o teu grito calou minha voz

Enquanto a cidade atravessa as minhas ruas

Sem respeitar as minhas sinalizações

Fui atropelado

Pelas horas, pelo trafego e pelo cansaço

Não fui socorrido

A sirene da ambulância estava apagada e muda

E eu ali, estatelado no cinza do asfalto

Enquanto você levava todas as paisagens e cores

Pra longe de mim, pra longe daquele acidente

Fratura exposta, traumatismo craniano

Depois do diagnóstico

Tentei colocas os meus ossos no lugar

Não consegui.

Agora sou qualquer coisa torta, rasgada ou quebrada

Andando sem eixo por ai

E pior que isso, não tenho muletas

E também não tenho você.

A cidade continua me cegando

Com suas cores artificiais

Enquanto a monocrômia das calçadas

Me oferece doses de analgésicos

Mas sou alérgico a comprimidos

E minha garganta rejeita qualquer gota que não seja sua

Sou obrigado a conviver com a dor

Depois de um tempo se acostuma

È só fingir que o barulho dos carros

São os passos do rio atravessando a cidade

Mesmo o rio estando seco.

Preciso de um feriado

Um feriado de mim mesmo,

Pra esquecer dos versos apagados,

Pra esquecer das manchas nos papeis,

Pra esquecer de mim.

E pra lembrar de você.

Antes do acidente, qualquer lembrança era inteira

Agora está tudo em pedaços rasgados

Junto aos meus ossos, junto aos meus olhos

Me pergunto como alguém pode ter os olhos rasgados

E ainda sim enxergar?

Talvez eu não enxergue mais

E tudo seja uma visão desconfigurada

De uma mente acidentada no asfalto da cidade.

Preferia ser cego.

Guilherme Radonni.